Segurança Pública

Inteligência, a festa errada na qual o Brasil chegou atrasado

Publicado por Site da Segurança

Todos os países possuem sistemas e agências específicas para executar a gestão dos seus sigilos, que os capacitam a adquiri-los, protegê-los e comunicá-los de maneira a garantir o máximo domínio dos seus objetivos nacionais.

Trata-se de uma questão em que o Brasil, que é tradicionalmente uma exceção piorada em quase tudo o que se faz no mundo, atualmente representa o papel do convidado atrasado na festa errada.

Está na festa errada porque, refletindo o fato de serem extremamente especializadas, em todo o mundo essas atividades são designadas pelo termo “Intelligence”, que foi especialmente criado há mais de dois séculos para identificá-las inequivocamente entre todas as demais, e é universalmente utilizado, da mesma forma que as palavras que compõe o código fonético aeronáutico ou a palavra “hamburguer”, cuja tentativa de se traduzir para uma versão em português seria um óbvio motivo de chacota.

Campeão da inovação para pior, o Brasil conseguiu uma impressionante tripla derrota, primeiro traduzindo aquela expressão para “Informações”, de onde veio o Serviço Nacional de Informações (SNI), posteriormente retraduzindo-a para “Inteligência”, razão da agência atualmente atender por Agência Brasileira de Inteligência, e com essa atitude inviabilizando o uso do termo adequado em nosso país, já que, ironicamente, isso seria visto pelos 99,99% da população, incluindo os políticos que teriam que aprová-lo, como uma “americanização do termo brasileiro”.

De fato, alguns países de língua espanhola arriscaram utilizar uma “Inteligencia” como sinônimo do termo correto, preparando-se porém para tal atitude inserindo nos seus dicionários esse significado específico: aqui, sem essa providência, simplesmente comparou-se uma atividade milenar e de significado mundial com uma qualidade daquele que é esperto, ou com a interpretação de uma determinada legislação, entre outras possibilidades geradas por essa ambiguidade no uso da palavra, deixando cada leitor entender como possa uma frase do tipo “A inteligência do artigo ´x´ da Constituição conforme informa um agente inteligente do Serviço de Inteligência”.

Intelligence tem a ver o verbo “descobrir”, e não o verbo “pensar”: isso faz com que o seu verdadeiro objetivo seja confundido pelos profissionais brasileiros e ao mesmo tempo ignorado pelo público em geral, tornando essa tradução nociva às organizações, pois além de equivocada, ela hoje se encontra contaminada pelo entendimento generalizado de que atua exclusivamente como parte de uma área de segurança, o que difere completamente da sua função de assessoramento para a tomada de decisões políticas.

Não bastasse tudo isso, o Brasil ainda consegue chegar atrasado para usufruir os benefícios desse serviço, utilizando até hoje conceitos que nos foram repassados pelos serviços estrangeiros no início da década de 1960, como o “Ciclo da Inteligência”, metodologia e termo formalmente descontinuados por quem ensinou-nos há pelo menos 15 anos, isso segundo os registros oficiais daqueles órgãos.

Há muito a técnica migrou do Pensamento Crítico para o Pensamento Criativo, e, mais recentemente, do foco na descoberta de oportunidades e ameaças para a percepção de que sequer se sabe que não se sabe, ou seja, deslocou-se da ilusão de um trabalho sobre o Conhecimento para a consciência da tomada da decisão na Ignorância, o que o filósofo Sócrates já afirmava desde a Grécia antiga, quando dizia que “só sabia que nada sabia”.

Agora, às vésperas de um evento que reunirá 15 mil atletas de 206 Países, ao contrário da Copa do Mundo que foi disputada por 723 atletas de 32 Países, e que dividirá as atenções por 665 competições de 65 modalidades esportivas disputadas por 30 dias consecutivos em 33 instalações diferentes, incluindo 9 provas de rua, basta uma suposta ameaça transmitida pelo twitter por um radical do outro lado do mundo que aparece o problema: não temos Intelligence e sim apenas Inteligência – a mesma que, apresentando-se como preparadíssima, monitorou as ações de vandalismo e depredação na Copa de 2014 por um telão ligado na Globonews.

Pior ainda, terrorismo não é combatido sequer por quem tem a versão correta dessas Atividades, pois elas se baseiam em estatísticas, projeções e “análises de risco”, que tem como fundamentos padrões e tendências históricas, quando ações de natureza terrorista são únicas por natureza, ou seja, para que tenham sucesso necessitam possuir características inéditas, como os ataques a prédios utilizando aviões em 2001 ou as bombas feitas com panelas de pressão utilizadas na Maratona de Boston em 2013.

Desde sempre a iniciativa privada sabe que não se pode confiar nesse tipo de análise para prever acontecimentos extremos, como no caso da oscilação de ações na bolsa de valores, já que basta um evento surpreendente para fazer com que o preço de uma determinada ação dispare ou se reduza a pó. Cunhou-se inclusive a expressão “Lógica do Cisne Negro” para definir essas ocorrências de impacto imenso, tidas até mesmo como impossíveis, mas plenamente explicáveis logo após a sua ocorrência.

Por tudo isso as agências de Intelligence dos países participantes dos Jogos Olímpicos estão enviando emergencialmente as suas equipes para cá e iniciando o trabalho que deveria ser feito por nós, mas não será. Minimizando a exigência de assumir o controle, feita daqueles países, pelo eufemismo da “oferta de ajuda estrangeira”, o País segue sem qualquer rumo nessa área, até mesmo porque, com a subordinação, no final do ano passado, da Agência Brasileira de Inteligência à Secretaria de Governo da Presidência da República, que tem como incumbência, entre outras, a “coordenação política do Governo federal” e a “condução do relacionamento do Governo federal com o Congresso Nacional e com os partidos políticos”, movimentação realizada em plena convulsão nacional e pedidos de renúncia da então Presidente, consegue-se a proeza de se ter a mais bizarra experiência possível na história da condução desses serviços, pela criação de uma mundialmente inédita “Inteligência Governamental”, pelo próprio nome a serviço não do Estado, mas dos interesses políticos do partido transitoriamente no poder.

Enfim, por mais maquiagem que se coloque, há um momento em que o rosto aparecerá lavado e exibindo todas as suas imperfeições. Para a “Inteligência” esse momento chegou, restando saber se será conveniente simplesmente voltar à ilusão do faz de conta daquela maquiagem em um país que, de um tempo para cá, diariamente assiste a declarações nacionais incitando camadas da população a se utilizar da violência como meio de atingir os seus objetivos, que abriga em seu território riquezas únicas no mundo e cujos dirigentes sequer utilizam meios de comunicação que evitem ter as suas conversas tornadas públicas à sua revelia.

Por: Cláudio Andrade Rêgo

Autor do livro O QUARTO QUADRANTE –
Gestão de Sigilos e a Lógica da Decisão Baseada na Ignorância

www.antecipar.com.br

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