Opinião do Especialista

A adoção das carabinas calibre.40″S&W para a polícia fluminense nas UPPs (Vinícius Cavalcante)

Publicado por Vinícius Cavalcante

Em meados de 1993, quando a PMERJ começou a retirar de circulação a INAs convertidas para 9mm (diga-se de passagem uma boa submetralhadora, que nada tinha a ver com a instável e imprecisa arma original, no calibre.45ACP) se deveria ter introduzido essa arma, conjuntamente com os fuzis, que continuariam (como continuam até hoje) sendo necessários para contrapor atiradores posicionados em elevações dominantes, em situações táticas onde esses atiradores pudessem colocar disparos com precisão em alcances que não pudessem ser respondidos por tiros de pistolas, submetralhadora e carabinas. A questão na época foi avaliada de forma apaixonada e muito pouco técnica. Os bandidos tem fuzis, então a polícia tem de ter também. Essa lógica tem alguma procedência, porém o fuzil não deveria ter tido o seu uso tão disseminado, até pelo fato de que ele não é realmente necessário em todas as situações ou cenários. Valeu a lei do menor esforço ou o anseio de produzir notícias bombásticas, do tipo factoide: “Agora a polícia vai poder fazer frente pois tem as armas”…

A verdade é que se introduziu o armamento mas a formação do policial continuou deficiente. O homem atira pouquíssimo em treinamento e vai “aprender” aos trancos e barrancos, “na prática”. E aí, é salve-se quem puder a que já estamos acostumados! A carabina seria uma arma longa excepcionalmente útil contra alvos humanos, protegidos ou não, numa distância de até 200m. Com a carabina, se o atirador for razoável ele certamente baterá o alvo; com a vantagem de que, um eventual tiro perdido, não terá a letalidade em alcances extremos, como os disparados por um fuzil.

Em 2008, quando se anunciou a aquisição de armas da TAURUS CT-30 pela a SSP-RJ, a grande dúvida que manifestei era qual a razão que nos levava a gastar tanto dinheiro (dinheiro que aliás falta para o salário, para o treinamento e para a aquisição de outros equipamentos) na aquisição dessas armas, se poderíamos obter uma grande quantidade dessas armas, em boas condições, diretamente dos estoques da Força Aérea Brasileira, que ainda possuía milhares dessas armas guardadas? Na ocasião cheguei a questionar isso numa entrevista que dei à Rede Record, mas morreu por aí!…

Antes de empregar o HK-33 (em calibre 5,56x45mm) como fuzil padrão, a FAB usava largamente as carabinas M-1 e M-2 (que dão tiros em rajada) no calibre .30M1. Ainda hoje deve haver dessas armas estocadas e se poderia dar ao luxo de escolher apenas as melhores. As coronhas de madeira são de ótima qualidade e caso constatassem que a madeira (após os anos de estocagem) não está em condições, coronhas de polímero podem ser mandadas fazer a um custo muito baixo. Uma vez escolhidas as armas, seria necessária uma revisão, talvez uma ou outra oxidação e depois seria só colocá-las em uso. Como a FAB usava normalmente os carregadores curtos para 15 cartuchos, a única grande despesa que imagino seria a de adquirir no exterior carregadores para 30 tiros, os quais não custariam mais de 25 ou 30 dólares cada.  Ainda hoje se usa carabinas M-1 em muitas forças policiais e em grupamentos especiais, sobretudo em forças de selva. É uma arma rústica, confiável, tendo sido capturada junto aos bandidos cariocas em quantidades muito reduzidas.  Como o calibre voltaria a ser largamente empregado, poder-se-ia gestionar com a CBC para produzir uma munição hollow-point para o uso policial, aumentando ainda mais a eficácia da arma. Na ocasião eu fiz questão de ressaltar que não tinha nada contra a arma da Taurus (originalmente um projeto chileno), porém estava certo de que poderíamos economizar um pouco, buscando armas confiáveis, testadas, que já existem em estoque e que ainda poderiam render bastante nas mãos dos nossos policiais. Será que alguém foi olhar essas armas na FAB antes de se decidir por gastar um bom dinheiro em armas novas? No final, soube por amigos da PMERJ que a corporação estava tendo problemas com as armas recém-adquiridas e por isso não as havia distribuído às unidades. Posteriormente li nos jornais em maio de 2010 que as armas novinhas foram devolvidas para a Fábrica. Que mico!!! Agora vem falar que a SSP-RJ vai comprar carabinas no calibre .40″S&W. Acabei de ler no Extra que as carabinas são .40″!!!

A ideia da padronização do calibre .40″S&W (já utilizado em pistolas) também para carabinas, no meu ver não atende ao que havia defendido pois o calibre tem menos Stopping-power do que o .30M1 e salvo melhor juízo também terá alcance efetivo menor do que o das armas com a antiga munição militar.
Eu preferiria o calibre .30M1 por vários motivos:

1) Pelo fato de termos armas excedentes das Forças Armadas que poderiam sem repassadas para a polícia a um baixíssimo custo, quase de graça! rsrsr
2) Pelo fato do calibre .30M1 NÃO ESTAR DIFUNDIDO JUNTO À CRIMINALIDADE, como o .40″S&W está, facilitando perícia e verificar de quem são efetivamente os tiros.
3) Pelo fato de que as antigas carabinas militares M1 e M2 são muito mais rústicas e confiáveis do que as armas mais modernas que serão compradas. O madeirame de lei da coronha protege o mecanismo, pode ser empregado como aríete, porrete e é muitíssimo mais resistente do que a coronha da carabina da Taurus.
4) As submetralhadoras (armas automáticas) da Taurus no calibre .40″S&W, compradas pela PMESP e por outras polícias menores, das quais as carabinas são derivadas (elas têm cano mais comprido e não fazem fogo em rajada) apresentaram muitos defeitos e fissuras estruturais pois eram inicialmente projetadas para emprego das munições 9mm Parabellum e não sei se isso foi superado (ou como foi)…

Finalizando, eu considero que as carabinas são úteis; contudo ter de comprá-las já é um gasto e fazê-lo no calibre .40″S&W pra mim é perfeitamente dispensável. Nas áreas onde os soldados podem precisar contrapor tiros que vem de cima ou de uma distância maior, as carabinas .40 são anêmicas e não vão se prestar ao que se espera. Imagine a situação em que, alvejado por um fuzil a uma grande distância, o policial atira com a carabina mas não consegue, por exemplo, transpassar o anteparo que protege o atirador criminoso. Acometido pela tensão psicológica do enfrentamento e da impossibilidade de bater o seu alvo, ele vai buscar gerar um volume de fogo (quantidade de tiros) maior e provavelmente provocar mais dano colateral ainda do que acontece nos tiroteios de hoje. Eu não sou partidário de contrapor arma por arma, mas na situação em que estamos, em que as forças de segurança são atacadas diariamente por criminosos com submetralhadoras, pistolas automáticas e fuzis de cano encurtado, a emenda de retirar o fuzil pode se tornar pior que o soneto. Nós já reclamamos que os policiais atiram muito e atiram mal, esperemos até que eles se sintam mais inferiorizados taticamente para vê-los contrapondo o volume de fogo das rajadas dos traficantes com mais e mais tiros erráticos…

A solução será ensinar aos policiais da UPP as mesmas táticas de combate aproximado, de condução de patrulha e de combate em áreas edificadas que se ministra aos policiais dos grupamentos especializados como o BOPE e o Choque, mas isso não se faz do dia pra noite. A questão é que, pelo menos desde abril de 2014 vinham dando pala de que estavam mudando de táticas e se preparavam para enfrentar as forças de segurança no terreno. As apreensões de pistolas convertidas para fogo automático e carregadores de grande capacidade deveriam ter dado um alerta para a polícia.  Os criminosos  perceberam a fragilidade das “ocupações”, que viram que o quantitativo de efetivos policiais era insuficiente e que suas táticas não lhes privavam de liberdade de ação, mudaram e se prepararam para reagir. A polícia enfrenta hoje uma guerrilha, Graças a Deus não tão bem articulada como poderia ser, mas é uma guerrilha. Nas UPPs o militar que ainda atua segundo táticas que não levam em consideração o enfrentamento de uma guerrilha, infelizmente ainda precisa ter fuzil.

Sobre o autor

Vinícius Cavalcante

VINICIUS DOMINGUES CAVALCANTE, CPP
Profissional de segurança desde 1985. Detém 25 cursos e estágios na área de segurança e inteligência, tendo participado de treinamentos na Colômbia e também na Grã-Bretanha. Atua como consultor em segurança nas áreas de planejamento e normatização, inteligência, segurança pessoal e treinamento. Foi um dos profissionais internacionalmente certificados pela American Society for Industrial Security (www.asisonline.org) no Brasil, sendo certificado em 2004.
Diretor regional da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (www.abseg.com.br) no Rio de Janeiro, há 26 anos integra a diretoria de segurança da câmara municipal do Rio de Janeiro como servidor público concursado. É membro do conselho de segurança da Associação Comercial do rio de Janeiro. Atua na segurança de pessoas de notável projeção bem como treinou efetivos de segurança pessoal de diversas instituições públicas e privadas. É instrutor convidado em cursos na PMERJ, ACADEPOL (RJ), SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA E CENTRO REGIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PAZ, o desarmamento e o desenvolvimento social na América Latina e Caribe (UN-LIREC). É articulista em publicações especializadas em segurança do Brasil e do exterior, como o Jornal da Segurança, as revistas Proteger, Security, Segurança Privada, Revista Sesvesp, Segurança & Defesa, Tecnologia & Defesa no Brasil, bem como Seguridad Latina e Global Enforcement Review e Diálogo Américas, nos Estados Unidos, e International Fire and Security.
Possui artigos sobre segurança publicados nos jornais o Globo e Monitor Mercantil. Autor de três DVDs com video-aulas sobre segurança abordando segurança de dignitários, ocorrências envolvendo artefatos explosivos e espionagem e contra-espionagem no meio empresarial, produzidos e distribuídos pelo Jornal da Segurança para todo o Brasil.

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