Opinião do Especialista

A violência urbana já é um fenômeno incontrolável no Brasil (Milton Corrêa)

Publicado por Milton Corrêa

Não há mais ilusão. Os constantes episódios de ameaça e agressão à vida humana falam por si. Há uma incômoda e preocupante constatação no bárbaro contexto da violência do dia a dia. A violência urbana é hoje, no Brasil, um fenômeno não mais controlável. Segundo recentes dados de uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 58.559 pessoas foram assassinadas no ano de 2014 no país. O número de mortes violentas cresceu em 18 estados em 2014.

Números de uma guerra permanente que ceifa vidas, produzindo também sequelas e invalidez e onde o poder paralelo, de posse de armas de guerra, amedronta a sociedade, controla o acesso a alguns territórios afrontando constantemente o poder público e empreende, a olhos vistos, uma chacina em conta-gotas contra policiais militares, onde somente no Estado do Rio de Janeiro, nos últimos 15 anos, mais de 1500 PMs já foram mortos. Em todo o Brasil, no ano passado, 398 policiais perderam a vida, de folga ou em ato de serviço. Por outro lado, em 2015, até o mesmo de setembro, foram contabilizados, no Estado do Rio de Janeiro, 517 mortes decorrentes de autos de resistência.

Atrocidades e atos medievais, praticados pelo ‘tribunal do tráfico’ no Rio e em sua Região Metropolitana,  não diferem, por exemplo, das práticas de sadismo e desumanidade perpetradas por integrantes do Estado Islâmico. Recentemente  um policial militar, identificado numa área de risco na Baixada Fluminense, foi barbaramente torturado e assassinado por perigosos delinquentes tendo o corpo sido arrastado por um cavalo,por vielas da comunidade. O pior é que a leniência da lei penal brasileira beneficia perigosos delinquentes e desprotege a sociedade e a demanda criminal é substancialamente maior que as estratatégias de contenção policial. A polícia simplesmente enxuga gelo.

O próprio aplicativo Waze acaba de incorporar, inclusive, em sua programação de trânsito para localização de logradouros públicos, a palavra  ‘PERIGO’, para identificar a rua em que a empresária Regina Múrmura foi covardemente morta dias atrás, na Favela do Caramujo, em Niterói, quando o carro em que se encontrava com o marido foi fuzilado por traficantes ao adentrar num local desconhecido. Este é o reconhecimento expresso de que há áreas onde o cidadão pode e há territórios em que ele não pode circular. Ou seja, o direito de ir e vir do cidadão ordeiro é hoje limitado em razão da ousadia e do terror marginal. É o reconhecimento de que o inimigo social existe e mata cruelmente.

A violência que amedronta diariamente a população brasileira tem sua origem em diversos matizes, sendo ledo engano imaginar que o estado policialesco (mais e mais policiais) minimizará a contento, em prazo razoável, a gravíssima questão. É preciso relativizar as reais possibilidades do aparelho policial. Não há nenhuma possibilidade, a curto e médio prazos, de se reverter tal quadro de violência emdêmica. Detalhe: a violência é tão enraizada ao cotidiano do brasileiro que há horários específicos de televisão, diariamente, para vermos violência ao vivo e a cores. Há dois canais de televisão, em programas vespertinos, que disputam picos de audiência. Ou seja, a violência, como efeito colateral, fez crescer, também, nos últimos 20 anos, as editorias de jornais e televisão. A violência gera empregos e faz com que cidadãos se programem para assistir na TV, nas redes sociais ou ler nos jornais impressos, qual o crime mais violento.

Há violência nas ruas, nas estradas, no trânsito, no lar, em família, entre as torcidas de futebol, em morros e favelas. Armas e artefatos de guerra (fuzis e metralhadoras e granadas) viraram rotina em assaltos e na disputa bélica entre fações criminosas ligadas ao tráfico de drogas e para atacar a polícia.  Policias são mortos como se fossem ‘peças de reposição’. Explodir caixas eletrônicos, na ação de bandidos mascarados, de posse de dinamite, cordel detonante e fuzis, virou moda, principalmente em cidades de até 20 mil habitantes na periferia dos grandes centros ou no interior do país, ação agora estendida também para grandes centros urbanos, como no Rio, onde as retroescavadeiras passaram a ser um importante instrumento da ação ousada marginal.

Parece também que já há um gosto de sangue na boca de muitos brasileiros que consomem a violência que lhes é passada diariamente, com retoques de espetacularidade. Um jornal local de TV ou em rede nacional fica insosso quando não há chamada para um caso de violência.  O maior percentual da notícias é de violência, também em jornais que veiculam notícias de todo mundo, onde violentas guerras, ato de terrorismo e revoltas populares são trazidas ao noticiário do cotidiano. Isso é fato real.

Numa visão holística (sistêmica) podemos confirmar o pressuposto de que a violência incontrolável é também crônica e estrutural, onde a polícia é apenas uma engrenagem do sistema de defesa social, senão vejamos:

1) as polícias no Brasil são geralmente desaparelhadas e têm enormes carências de efetivos em seus quadros, sem falar que ainda são polícias reativas, ou sejam, esperam acontecer para reagir; enquanto hoje as polícias mais avançadas do mundo, são proativas, atuam antes da consumação do crime com base em dados da inteligência policial;

2) a prevenção primária é falha, ou seja, há deficiência de educação, emprego, renda e de programas sociais que possam afastar jovens de baixa renda do crime;

3) a idade de responsabilização penal é irreal, onde o critério biológico de responsabilização é ultrapassado, onde hoje, em boa parte de outros países, o critério não é mais o de idade, mas sim o psicossocial, independente da idade do autor do delito;

4) as armas e as drogas continuam penetrando por nossas vulneráveis fronteiras;

5) o aumento do consumo de drogas, principalmente cocaína, é constante;

6) o elevado número de mortes decorrentes de autos de resistência deve ser objeto de estudo nas instituições policiais, uma vez que tal constatação pode inferir o uso excessivo e desproporcional da força policial;

7) a justiça brasileira é demasiadamente morosa e o sistema penitenciário, verdadeira universidade do crime, não permite ressocializar;

8) a lei penal no Brasil existe muita mais para beneficiar criminosos do que proteger a sociedade onde a doutrina do direito penal mínimo é uma incômoda realidade, defendida por criminólogos humanitários;

9 ) e, finalmente há uma cláusula pétrea, na Constituição Brasileira, que impede a implantação da pena de prisão perpétua no país.

Chegamos à conclusão, portanto, que o Brasil enfrenta uma das mais violentas guerras urbanas que já se teve notícia na história policial do mundo, onde cerca de 150 pessoas, em média, perdem a vida diariamente por morte violenta. A violência urbana, pois, até aqui, tem sido incontrolável, onde qualquer um pode ser a próxima vítima, a qualquer hora, em qualquer lugar. Sinal dos tempos em que o temor ao crime é fato real e onde respeito à ordem pública e à vida humana são coisas do passado. A polícia, por sua vez, prosseguirá, com todas as suas deficiências estruturais, enxugando gelo. Não mais do que isso.

Sobre o autor

Milton Corrêa

Milton Corrêa da Costa:
Tenente coronel reformado da PM do Rio de Janeiro
Ex-aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ).
Ex-chefe da assessoria técnica e parlamentar da Secretaria de Segurança Pública (1996 a 1998)
Primeiro lugar no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da PMERJ (1986)
Primeiro lugar no Curso Superior de Polícia Militar da PMERJ (1994)
Ex- Instrutor da Escola de Formação de Oficias da PMERJ (1987 a 1992)

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