Opinião do Especialista

Nossa proteção contra o terrorismo (Vinícius Cavalcante)

Publicado por Vinícius Cavalcante

Comemoramos recentemente mais um aniversário daquele que foi o mais impressionante atentado da História. Não será exagero dizer que, desde a visão aterradora da primeira aeronave jogada de encontro ao edifício do World Trade Center, o mundo jamais será o mesmo. O cidadão comum que viu a materialização de seus piores pesadelos em Nova Iorque e Washington D.C. com certeza ficou traumatizado. Muitas crianças que viram a cena aterradora do desabamento dos prédios pela TV ficaram impressionadas e meu próprio filho, na época com sete anos, levou alguns dias sem muita vontade de sair de casa, perguntando-nos a toda hora pelo destino das pessoas que estavam nos edifícios. Nunca antes se vira algo daquela magnitude as pessoas custaram a perceber que estavam diante de um atentado terrorista.

Muitos questionamentos nos vinham à mente e a primeira coisa era questionar a competência dos profissionais de segurança e inteligência envolvidos. A própria mídia se dispunha a exemplificar uma grande quantidade de fracassos das equipes encarregadas de garantir a segurança frente ao terrorismo. Sob a ótica de senso comum, poder-se-á considerar que é inútil tentar prevenir ações de tamanho calculismo e determinação, pois se o terrorista estiver disposto a dar a vida por sua causa de nada adiantarão o policiamento e os recursos dispostos para a proteção dos seus alvos… Nada mais equivocado, jamais saberemos quantas vidas foram salvas pelos planejamentos de gerenciamento de crise e defesa civil que os norte-americanos há muito haviam estabelecido para usar numa emergência. A ninguém facultava prever a extensão catastrófica dos recentes atentados e por mais que admitamos que numa situação crítica dessa magnitude as coisas tendam a fugir ao planejado, vale não esquecer que profissionalmente, em termos de segurança, a improvisação deve ser sempre exceção, nunca a regra.

Considerando que os riscos de ações terroristas no Brasil ainda sejam eminentemente diversos do ocorrido em Nova Iorque, não deve pairar dúvidas que um atentado semelhante em nosso país – ainda que guardando dimensões menores – com certeza viria a vitimar uma quantidade muito maior de vidas, apenas pelo fato de que não dispomos de quaisquer planejamentos contingenciais para essas situações. No Rio de Janeiro temos uma defesa civil frágil e francamente diminuta que sequer consegue atuar em face de alagamentos que se repetem nos mesmos pontos há décadas, imagine o que se poderia fazer frente a uma situação como a do ataque às Torres Gêmeas….

É fato que os americanos pecaram por não conseguir integrar as informações provenientes de seus diversos organismos de inteligência. O volume de informações processado pelos organismos de inteligência militar de todas as forças, da Agência de Segurança Nacional (N.S.A.), da Agência Central de Inteligência (C.I.A.), da Polícia Federal (F.B.I.) e de todas as outras agências é enorme; e além de ter de verificar aquilo que realmente se trata de informação relevante num universo de dados que beira o inimaginável, essas instituições discretamente competiam entre si, dificultando ainda mais sua inter-comunicação. Procedimentos que podem parecer fáceis em tese, na realidade não os são. Como verificar a procedência das informações (“informes”) que chegam às agências das mais diversas fontes? Para que se tenha uma idéia do tamanho do problema, apenas no Reino Unido a contra-inteligência do MI-5 indica que mais de 2000 pessoas seriam de alguma forma envolvidas com atividades do terrorismo islâmico e que muitas mais atuariam no suporte financeiro ou logístico das células existentes nas ilhas. Ainda que se tenha alguma suspeição sobre essas pessoas, o monitoramento de um número tão elevado de indivíduos num país democrático (onde as pessoas não costumam ser presas com base em suspeitas vazias) excede a capacidade acompanhamento e de vigilância da maioria dos organismos de inteligência e segurança do mundo. Depois do 11 de Setembro os Estados Unidos tiveram de aprender com seus próprios erros e modificar seus processos e forçar a integração de diferentes órgãos, melhorando o fluxo de informações entre eles; tudo para evitar uma repetição dos tristes eventos. De qualquer forma, é fato que é impossível apresentar estatísticas de ações de terrorismo desencorajadas pela existência de bons “esquemas de segurança” e os atentados da Al Qaeda nos Estados Unidos bem retrataram que a atividade de segurança só vem a merecer a atenção e os comentários do grande público quando se vê sobrepujada pela ação cada vez mais ousada dos criminosos, loucos ou terroristas.

No julgamento que se faz da “performance” dos elementos da segurança, quase nunca se avalia que, em se tratando da administração de questões referentes à segurança e inteligência quase sempre as questões (e opiniões) de caráter puramente político acabam preponderando sobre as considerações de ordem técnica. Em tempos de paz, administra-se o risco pensando no julgamento da mídia e da opinião pública, nos desdobramentos eleitorais desta ou daquela medida; ainda que contrariando ou mesmo irremediavelmente comprometendo aquilo que aconselha a boa técnica. Tal situação é extremamente benéfica para criminosos e terroristas que descortinam uma grande liberdade para suas ações. Os profissionais, por outro lado, se deparam com uma tarefa nada invejável: devem esforçar-se por antever os passos de um inimigo sempre astuto e determinado, o qual não tem dia e nem hora para atacar, sendo pagos para acreditar que a qualquer momento poderão ser exigidos a ganhar o seu dinheiro da forma mais dura e arriscada possível. São sabedores de que em todo planejamento de segurança existe uma possibilidade de falha impossível de ser eliminada, e tal constatação apenas justifica todo um redobrar de cuidados, o qual na maioria das vezes é visto pelo público em geral de forma bastante impopular, como um cerceamento de sua liberdade, intromissão na vida privada ou mesmo como uma paranóia.

Para prevenirmos ações de terrorismo, a execução de todas as medidas de segurança deve ser precedida de um elaborado planejamento, no curso do qual se avaliará todas as informações disponíveis sobre riscos (possibilidades de perigos, atentados, acidentes e contrariedades em geral), inimigos e adversários em potencial, identificação (se possível com fotografias) de grupos ou de pessoas, avaliação de recursos à disposição dos antagonistas que possam ser empregados em ações de atentado, histórico de ações anteriores perpetradas pelos referidos grupos ou indivíduos, seus “modus operandi”, denúncias anônimas, informações da procedência mais diversa, informações sigilosas etc.

O reforço no policiamento ostensivo, cães, detectores, veículos, helicópteros ou o emprego dos grupos especiais como o SAS britânico, a Força Delta norte-americana ou o GSG-9 alemão talvez sejam aspectos mais visíveis da proteção contra o terrorismo, porém não se pode dissociar a atividade de segurança de um eficaz suporte de Inteligência. As informações oriundas dos levantamentos de inteligência são o alicerce do planejamento de todas as ações de combate ao terrorismo; e tendo por objetivo antecipar-se às ações de atentado, faz-se imperioso ter em mente os prováveis inimigos, seus meios de ação, indicar as deficiências nos de segurança procedimentos ora vigentes, vulnerabilidades dos locais potencialmente mais indicados como alvos, de forma a poder estabelecer os cursos de ação adequados às forças de segurança.

O inimigo terrorista pode estar em qualquer lugar… Em Oklahoma os autores do brutal atentado à bomba, ao contrário do que se pensava não eram muçulmanos fundamentalistas, mas sim americanos; o assassino do Ministro Rabin pertencia a um grupo de radicais israelenses e o norueguês desajustado, capaz de perpetrar sozinho as violentíssimas ações que nos estarreceram em julho de 2011, nos lembram que não se pode descartar a possibilidade de que grupos nacionais também estejam por trás de atos de terrorismo mais abomináveis. Por mais que tal prática venha a encontrar opositores no âmbito da nossa sociedade civil (potencialmente avessa a tudo que lhe pareça “policialesco” ou “anti-democrático”), todo grupo ou organização que possa vir a desencadear uma ação terrorista deve ser objeto prioritário da investigação e vigilância constante dos órgãos de inteligência nacionais, os quais procurarão munir os organismos de segurança, de todos os indícios e informações disponíveis sobre possíveis ações adversas. É claro que não se está defendendo o fim das liberdades civis ou o retorno à condenáveis práticas policiais dos estados totalitários. Tais organismos de inteligência tem de submeter-se à Lei e ao controle da instituições democráticas, embora não devamos esquecer que, dos homens de segurança e inteligência, enquanto voltados para a proteção contra ações de terrorismo, não se deve exigir uma postura “politicamente correta”, mas sim “técnica e profissionalmente exata”, diretamente voltada para a desincumbência de suas difíceis missões.

Ainda que muito se haja dito sobre as vantagens da tecnologia na Inteligência (sobretudo no campo da óptica e a eletrônica) na coleta e no processamento de informações; no mundo real, em se tratando de anti-terrorismo, a principal lição que se aprende é a de que não há substituto para a habilidade do elemento humano, quer para penetrar na estrutura das organizações terroristas, identificar e conhecer seus integrantes, descobrir-lhes os segredos, quer para analisar o enorme volume de dados, provenientes das mais diversas fontes ostensivas e secretas. Nos dias que se seguiram ao 11 de Setembro, os Estados Unidos puderam lamentar a falta que lhe fez todo o investimento retirado da inteligência oriunda das fontes humanas, em oposição a que provinha dos satélites e dos “grampos”…

Da mesma forma que é o profissional atento e bem treinado que, nas ruas, desencoraja e dá a primeira resposta às ações, tanto de criminosos comuns quanto de terroristas. Um alerta que se faz necessário é o de que, normalmente, investimos mais recursos na qualificação e treinamento dos grupos especiais de contra-terrorismo (cujas imagens sempre fornecem ótimas matérias jornalísticas) e descuidamos da formação e do adestramento dos “comuns”, aqueles a quem normalmente caberá dar o primeiro combate nas ocorrências adversas de atentado. Não podemos esquecer que, na atividade de segurança, a força da corrente de proteção se mede pela capacidade de resistência do elo mais fraco!

Dispondo de recursos técnicos e de integrantes treinados e extremamente motivados, as organizações que abraçam o terrorismo são uma ameaça que vem requerer da segurança planejamentos elaborados e esquemas caros para proporcionar mínimas garantias a população. Ressalte-se que, em boa parte dos casos, terroristas não demonstram a mínima hesitação em sacrificar a própria vida em prol da “causa”, se constituindo assim em adversários bastante temíveis. O “modus operandi” de suas ações compreende o emprego de pistoleiros disparando à queima-roupa, atiradores com armas longas, emprego de lançadores de rojões anti-tanque, morteiros improvisados (como os que o IRA empregou contra o aeroporto internacional de Londres, em 1994), foguetes terra-terra não guiados, bombas e minas explosivas, carros e caminhões-bomba, mísseis antiaéreos disparados do ombro e elementos suicidas conduzindo explosivos em seu próprio corpo. O ataque com gás venenoso, perpetrado por uma seita religiosa extremista no Japão (no metrô de Tóquio) em 1995, serve para alertar equipes de segurança de que também devemos estabelecer procedimentos de atuação em face à ocorrências de atentados químicos e biológicos.

Não se pode combater um inimigo tão formidável sem recursos de ordem material dos mais diversos. Um adequado aparelhamento faz-se necessário; o treinamento das forças de segurança deve merecer muita atenção e ainda que sabidamente dispendioso, deverá ser constante na medida que se espera dos homens uma atuação efetiva. Há de se pensar em tudo antes, pois saber exatamente onde, quando e como os terroristas vão atacar é mesmo uma tarefa nada fácil. Planos e procedimentos para fazer frente à cada situação de perigo devem ser estabelecidos, instruídos aos profissionais, à população em geral, e seguidos à risca sempre que a situação o exigir. Os esquemas de segurança devem ser cercados de sigilo, pois o trabalho de criminosos ou terroristas, quando do planejamento de um atentados, não deve ser facilitado pela exposição, na mídia, de detalhes sobre a segurança que cerca os alvos potenciais de suas ações.

A conscientização de que se trava uma batalha constante contra um inimigo que vai tentar surpreender sempre deve ser uma tônica; não só para os encarregados da segurança, como também para o público a quem se destinam os sempre dispendiosos esquemas de proteção. Para proteger do terrorismo há de se muito bem esclarecer a população dos riscos que pesam sobre ela e da necessidade de que, em face desses riscos, todos deverão alterar suas rotinas em consonância com as sugestões formuladas por profissionais responsáveis e experientes. Honestamente, se deve deixar claro que nenhum esquema de segurança poderá garantir a todos, a menos que se proponham a seguir certas determinações e assumam, em função do perigo que pesa sobre cada um, que deverão levar uma vida marcada por certas “limitações” e “contrariedades” como a mudança de antigos hábitos, às interdições de áreas à veículos e visitantes, engarrafamentos, atrasos, filas, abordagens policiais, sucessivas paradas para identificação, uso de crachás, revistas etc. Quem quiser realmente segurança, precisará pagar o preço, colocando seriamente a prevenção aos riscos no seu dia à dia.

Para se fazer frente ao terrorismo há de se privilegiar a segurança e manter as medidas constantes e sempre atualizadas para fazer frente às ameaças previsíveis. Numa conjuntura de ameaça de terrorismo, o profissional de segurança realmente bem treinado e bem pago assume uma importância nem sempre percebida pela sociedade nos tempos de paz. Normalmente as profissões do ramo são tidas como uma clássica segunda opção de todos os que não conseguem colocação em outras áreas do mercado de trabalho; se crê que todo mundo possa ser profissional em segurança pois, infelizmente, é voz corrente que “segurança não tem ciência”. Uma vez que necessitemos de segurança de verdade, dificilmente profissionais improvisados e que recebem pouco mais de dois ou três salários mínimos vão corresponder ao que realmente deles se espera. Lembremo-nos de que ações de terrorismo não acontecem todos os dias e execução rotineira de procedimentos de segurança acaba fazendo com que os mesmos sejam executados de forma mecânica e desatenta. Manter elevados os padrões de atenção, vigilância e a esmerada execução das rotinas de segurança é algo que tanto os profissionais quanto o público devem ter de se acostumar. Criminosos e terroristas sempre procuram falhas na segurança e “acreditar que o perigo já passou”, “que ninguém tentaria atacar-nos aqui”, justamente num horário impróprio ou com um evento importante que atraia a atenção na TV, pode ser a oportunidade pela qual os adversários estavam ansiosamente esperando.

Se anteriormente a Al Qaeda se mostrou um adversário formidável, hoje os riscos e a dificuldade de fazer-lhes frente se multiplicaram (e se dificultaram) exponencialmente com a entrada em cena do Estado Islâmico. Tal grupo terrorista veio provocar a mudança radical de nossa maneira de pensar o anti-terror. Quando alguém em sã consciência imaginaria um britânico, londrino, decapitando um americano em frente ás câmeras de TV? Com o Estado Islãmico, o terrorismo fundamentalista muçulmano assumiu outros contornos ainda mais difíceis de enfrentar.

Mesmo decorridos quatorze anos, a História do 11 de Setembro realmente ainda não foi contada. Certamente, a exemplo do início da participação americana na II Guerra Mundial, do conhecimento do ataque a Pearl Harbor e do incidente do Golfo de Tonkin (que foi o pretexto para a maciça participação americana na guerra do Vietnã) a verdadeira história do maior atentado terrorista de que se tem notícia ainda guarda muitos segredos, os quais ainda vão levar tempo para serem revelados. Ainda assim, a proteção contra o terrorismo apenas poderá ser alcançada se todos aqueles que a quem couber alguma responsabilidade no âmbito da segurança estiverem cientes daquilo que deles se espera: do simples porteiro ao vigilante, do guarda municipal, policial militar de rua aos agentes de segurança trabalhando à paisana, bombeiros e paramédicos… A opinião pública precisa ser melhor informada, pois o terrorismo, embora não possa ser de todo evitado, poderá ter seus efeitos visivelmente minimizados se o público souber como proceder, de forma melhor colaborar com as autoridades. A verdadeira segurança não se improvisa e decorre de um caro esforço concentrado de todos os segmentos de uma sociedade.

 

Sobre o autor

Vinícius Cavalcante

VINICIUS DOMINGUES CAVALCANTE, CPP
Profissional de segurança desde 1985. Detém 25 cursos e estágios na área de segurança e inteligência, tendo participado de treinamentos na Colômbia e também na Grã-Bretanha. Atua como consultor em segurança nas áreas de planejamento e normatização, inteligência, segurança pessoal e treinamento. Foi um dos profissionais internacionalmente certificados pela American Society for Industrial Security (www.asisonline.org) no Brasil, sendo certificado em 2004.
Diretor regional da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (www.abseg.com.br) no Rio de Janeiro, há 26 anos integra a diretoria de segurança da câmara municipal do Rio de Janeiro como servidor público concursado. É membro do conselho de segurança da Associação Comercial do rio de Janeiro. Atua na segurança de pessoas de notável projeção bem como treinou efetivos de segurança pessoal de diversas instituições públicas e privadas. É instrutor convidado em cursos na PMERJ, ACADEPOL (RJ), SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA E CENTRO REGIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PAZ, o desarmamento e o desenvolvimento social na América Latina e Caribe (UN-LIREC). É articulista em publicações especializadas em segurança do Brasil e do exterior, como o Jornal da Segurança, as revistas Proteger, Security, Segurança Privada, Revista Sesvesp, Segurança & Defesa, Tecnologia & Defesa no Brasil, bem como Seguridad Latina e Global Enforcement Review e Diálogo Américas, nos Estados Unidos, e International Fire and Security.
Possui artigos sobre segurança publicados nos jornais o Globo e Monitor Mercantil. Autor de três DVDs com video-aulas sobre segurança abordando segurança de dignitários, ocorrências envolvendo artefatos explosivos e espionagem e contra-espionagem no meio empresarial, produzidos e distribuídos pelo Jornal da Segurança para todo o Brasil.

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