Opinião do Especialista

A falsa sensação de segurança, a incompetência e o desastre – Os riscos e as Olimpíadas Rio 2016 (Gerson Borges)

Publicado por Gerson Borges

O risco já foi “obra dos Deuses” e o homem após tomar suas decisões ao consultar os oráculos, os deuses ou outras criaturas abstratas, simplesmente delegava a estes o sucesso ou a derrota de suas empreitadas.

O mito sempre esteve presente no passado e, com certeza, até os dias de hoje, pois alguns segmentos da sociedade, principalmente aqueles segmentos com menos acesso à informação, normalmente delegam à decisão dos deuses a concretização dos riscos que geram perdas, afinal tal fato ocorreu porque “Deus quis assim e não podemos fazer nada”. O mito volta novamente a assombrar o homem.

Por outro lado, não são somente os riscos “infringidos pelos Deuses”, riscos da natureza, tais como furacões, maremotos etc. que o homem tem que lidar. Temos os riscos financeiros, com as metodologias, métodos e análises sofisticadas, e também dentre os mais variados grupos de riscos, os chamados riscos anti-sociais ou antrópicos, devido à falta de ética, rompimento do tecido social etc, cuja causa é exclusivamente o próprio homem e é neste específico grupo que vou me focar.

Não é culpa dos Deuses. O mito deixa de existir, é culpa do homem e de sua vontade, ou seja, a razão prevalece e, em virtude disto o homem criou algumas teorias, ferramentas administrativas, no meio empresarial, para tentar minimizar este problema, e um destes é o conceito de análise de riscos e ameaças. Uma vez que um risco só se concretiza, se uma ameaça se dispõe a realiza-lo e tem efetivas condições de fazer isto.

Quando falamos em risco, nos remetemos imediatamente ao sua antítese: a segurança. Poucas pessoas sabem porque a famosa frase “não existe segurança 100%” existe. Simplesmente porque não existe na natureza, o risco zero, sempre existirá um risco residual e, como a ausência de risco é a segurança…, não existe segurança 100%. Simples assim, aliás como quase tudo em segurança é simples, basta querer fazer de forma profissional.

Junto com a segurança existe um conceito da falsa sensação de segurança, que por si só é tão ou mais perigoso que a falta de segurança, por um motivo simples de entender:

Quando você não tem segurança, você se previne de algum modo, mesmo que por instinto natural de preservação, para algo de ruim que possa acontecer para você e sua família.

Porém…

Quando vai um Ministro Justiça a público e diz que as Olimpíadas serão seguras e que todos os Planos estão prontos e as matrizes também, só posso interpretar de um modo: INCOMPETÊNCIA OU MAGIA – incompetência não no sentido pejorativo, mas sim no sentido estrito da palavra: não tem as competências necessárias para falar o que falou. E pior…cria na população uma falsa sensação de segurança e que aos olhos de quem realmente entende do assunto, se faz passar por ridículo e por inconsequente em suas declarações.

Como os planos estão prontos se a análise de riscos foi a realizada para a Copa das Confederações em 2013? Os riscos não foram atualizados? Não existem novas ameaças no Rio de Janeiro, no Brasil e no exterior? Tudo está exatamente igual a antes da Copa das Confederações? Difícil acreditar ou então ele recebeu dos Deuses a informação de que nada, absolutamente nada irá acontecer.

Mesmo porque antes da Copa das Confederações, mesmo convocando as manifestações pelas mídias sociais, o governo foi surpreendido, ou seja, nem inteligência confiável nós tínhamos.

 

A Ameaça

Os recentes acontecimentos ocorridos na Rússia, em Paris e no Mali  nos remetem à ameaça do terrorismo, que existe desde as mais remotas eras, porém se sofisticou.

Não vou falar aqui dos atentados em Paris que tanto chocaram o mundo, é só ler nos jornais. Focarei sim no aspecto mais amplo do problema.

Com o advento da informação em tempo real, expectadores em todo o mundo veem “ao vivo e a cores” os acontecimentos tenebrosos de um atentado terrorista e, é exatamente isto que os terroristas desejam: PROPAGANDA.

O ciclo do terror é muito simples e não muda há muito tempo:

  1. um atentado espetacular
  2. assumir a responsabilidade do atentado (para quem financia o terrorismo saber quem é bom)
  3. mídia espontânea
  4. recursos financeiros para outro atentado: afinal seu grupo é bom
  5. com estes recursos – dinheiro para recrutamento, treinamento, locais seguros, armas etc
  6. planejamento para o outro atentado e …
  7. voltamos ao item 1.

 

Bem… e a ameaça de um atentado nas Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro existe?

A resposta clara e simples é SIM, os exemplos passados nos mostram de forma clara que um atentado em uma olimpíada gera uma mídia fabulosa, como já visto desde 1972 no atentado nas Olimpíadas de Munique, onde 11 atletas israelenses foram assassinados. Ou mesmo o atentado nas Olimpíadas de Atlanta  que matou 2 pessoas e feriu 112, ou mesmo na maratona de Boston com a série de atentados que mataram 3 pessoas e feriram 264.

Só estes fatos, para citar somente alguns, nos mostram que a ameaça é latente, existe e pior… é real, onde as olímpiadas, sem dúvida alguma, face à mídia gerada pelo evento para todo o mundo, nos torna, sem dúvida alguma, alvo de um atentado.

Alarmismo? Não. Simplesmente tirar a falsa sensação de segurança e tomar as medidas sérias para prevenção e não simplesmente ficar dizendo que estamos prontos e que nada irá acontecer, pois a segurança na Copa de 2014 foi um sucesso, nâo? Porém pessoas entraram nos estádios com ingressos que não eram seus, passaram sem revistas em suas mochilas e inclusive entraram com materiais ditos proibidos pelas autoridades.

Nada aconteceu, que ótimo. Porém não podemos esquecer que em Paris as bombas só não explodiram no interior do Estádio de France porque os terroristas foram barrados na entrada. A pergunta é: e se fosse no Brasil, seriam barrados também?

 

Conclusão

A concepção moderna do risco tem suas origens, segundo Bernstein, tem suas raízes no sistema indo-arábico  que alcançou o ocidente há cerca de 700 a 800 anos, mas o estudo sério do risco começou no renascimento, quando o homem se livra do mito, entra na idade da razão, desafiando abertamente as crenças consagradas, porém parece brincadeira, mas o estudo de riscos de forma séria e profissional, ainda carece de empenho e de profissionais capacitados no Brasil.

Na área empresarial encontramos profissionais com algum conhecimento, mas na área pública chega a ser impressionante a ignorância no assunto.

Na verdade o Brasil ainda precisa sair do amadorismo, pois atualmente, o único modo de lidar com os riscos e ameaças seria voltar no tempo para “apelar aos Deuses e confiar no destino” para que não ocorra um desastre anunciado.

Bem… aí começam os nossos problemas!!!

Sobre o autor

Gerson Borges

Gerson Borges, MSc, CPP, DSE é Capitão-de-Mar-e-Guerra da Reserva do Corpo de Fuzileiros Navais. É mestre em gestão Empresarial pela FGV e coordena cursos e áreas de estudo com a temática de riscos, segurança e crises na Instituição. Foi o executivo responsável pela gestão de riscos e segurança dos grandes eventos da BP/Castrol que foi uma das patrocinadoras da EuroCopa 2012, Jogos Olímpicos de Londres 2012, Copa das Confederações 2013 e Copa do Mundo 2014.
Atualmente é Sócio e diretor de riscos e crises da Plano, uma consultoria-boutique nas áreas de riscos, crises, segurança corporativa etc., assessorando empresas nacionais e transnacionais constantes da EXAME 500. Autor do livro: Sequestros a Liberdade tem Preço, Ed Quartet, negociou sequestros para a libertação de reféns no Brasil e no exterior. Autor de diversos artigos e trabalhos no Brasil e no exterior.
Gerson Borges é CPP pela ASIS e membro de diversas organizações internacionais de riscos, crises, fraude e segurança.

Comente

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.